Das lutas de cada uma.

Hoje é aniversário da Ursula Le Guin. Uma das escritoras mais influentes da ficção fantástica mundial. Um exemplo para todas nós, pois escreve desde quando era estranho uma mulher escrever FC. Eu deveria falar sobre ela.

Mas hoje a comissão de ética da Câmara dos Deputados do Brasil aprovou uma lei que vai a votação para depois passar a reger as vidas das mulheres. Por essa lei, a mulher vítima de violência sexual não vai poder ser informada sobre seus direitos em relação a prevenção de uma gravidez indesejada. Uma câmara dos deputados que tem uma representação feminina mínima.

Mas ontem um programa mostrou crianças cozinhando e as redes sociais brasileiras foram inundadas com… seres vagamente similares a humanos que anunciavam aos quatro ventos seu desejo de natureza totalmente sexual por uma MENINA.DE.DOZE.ANOS.

Eu estou de estômago embrulhado. Realmente não consigo acreditar que vivo em um país… não, em um mundo que permita coisas assim. Mas vivo. É pior do que muitas distopias que li, é pior do que os futuros apocalípticos que escritores mais imaginativos que eu criaram.

É pior porque é absurdamente real. Não vai acabar quando fecharmos um livro ou desligarmos o ereader. Vamos acordar amanhã sabendo que se uma mulher pobre, que não teve acesso às informações que eu (classe-média-intelectual-do-sudeste) tive, for estuprada, ela correrá um grande risco de engravidar de seu agressor. E terá que carregar o fruto dessa violência por meses, pois ninguém a informará sobre seus direitos, sobre suas escolhas.

Tem mulheres, tem pessoas maravilhosas que lutam mesmo, vão às ruas, aos hospitais, à Câmara e tentam impedir esses absurdos. Que gritam. Todo meu amor, todo o meu carinho, todo o meu apoio a elas.

A minha luta é mais sutil. Mais lenta e talvez menos significante, mas é onde eu acho que consigo ajudar melhor. Não sou boa de retórica e se tem algo que meu envolvimento no movimento estudantil me ensinou é que minha militância nas ruas é péssima – sou lenta demais e alvo fácil.

Luto para que mulheres (e outras pessoas invisibilizadas seja por sua cor, por seu gênero, por sua sexualidade e por vários outros motivos) sejam ouvidas e vistas na literatura. Principalmente no que chamamos de literatura fantástica.

Como disse, é uma luta menor, eu sei. E se tiver algum resultado, vai ser a muito longo prazo. Mas foi assim que escolhi lutar, porque acho que é nos livros que temos um dos caminhos para mudarmos a sociedade em que vivemos, principalmente se falarmos de literatura fantástica, que atrai jovens e crianças. Reclamo e vou reclamar  sempre de livros sexistas e com poucos personagens femininos de relevância, pois acredito que a literatura tem o poder de influenciar positivamente quem lê. Vou continuar apontando sempre que eu notar o apagamento da diversidade quando se falar de literatura fantástica, seja em que meio for, em que mídia estiver, pois todos precisam e devem ser vistos.

Por causa disso, vai ter quem me chame de ‘chata’? De ‘arrogante’? De ‘egocêntrica’? De ‘militonta’? De ‘babaca’? De ‘feminista raivosa’? De ‘social justice warrior’? Sim, vai.
Não ligo.
Porque penso na possibilidade de ser por causa dessa minha luta que, um dia, uma menina pegue um livro para ler e veja na capa o nome de uma autora. Depois, ela vai abrir o livro e descobrirá que lá dentro tem uma personagem feminina que importa, que age, que é relevante. E ela vai se sentir menos sozinha. Vai ver que ela importa.

Ou talvez um menino pegue esse mesmo livro e ao conhecer essa personagem, reconheça as dificuldades da menina ao seu lado e a respeite mais, não tente apagá-la ou ignorá-la.

Porque pode ser que um post, um tweet, um comentário meu incentive uma autora a não desistir, um autor a criar uma personagem feminina relevante. Ou que faça um leitor abrir um livro que mude a sua visão do mundo.
Se isso acontecer ao menos uma vez, pode o mundo inteiro me chamar do que quiser. I don’t care.

Vai ter tudo valido a pena.

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