Pelo direito de colorir, descolorir, destruir e etc…

Mercado editorial adora uma moda. É pior que Milão e Paris juntos.

Vampiros, autoajuda, livro de padre, new adult, fantasia com sexo…

E ao contrário do que pensa a elite culta que só lê livros recomendados pelo Bloom, eu acho isso ótimo. Sou defensora radical da bibliodiversidade e ela só pode existir em um mercado saudável, que movimente dinheiro, que gere negócios, que mantenha empresas e empregos. As modas fazem isso. Uma editora encontra o nicho, as outras a seguem, o mercado se movimenta, meia dúzia de títulos parecidos vendem muito…

E a editora se fortalece financeiramente para poder investir em coisas que talvez não sejam venda tão certa – ou tão grande. Resumindo: Está feliz porque pode ler Locke Lamora em português? Agradece aos milhares e milhares de exemplares que a Sextante vendeu de ‘A cabana’. Adorou o livro do Eric Novello, com seu clima noir, sendo encontrado em todas as livrarias? Abrace uma fã da Paula Pimenta e da Bruna Vieira.

A moda da vez são os livros interativos. Depois da onda de destrua esse diário, amasse esse livro, cheire estas páginas (Esse último eu já vi gente fazendo em livraria. Eu não. Só abraço o ‘Tigana – A voz da vingança’), chegou a vez dos livros de colorir para adultos. Vendidos como livros anti-estresse, são uma espécie de ovo de colombo. Livros em preto e branco, com ilustrações detalhadas para serem pintados. Já existem de todos os tipos: o pioneiro da onda ‘Jardim Secreto’ é de plantas, bichinhos e elementos bucólicos, mas já vi com arte celta, paisagens e até um só de mandalas que vem em um formato que emula um caderno de esboços. E tem o de surubas, que eu ainda não vi.

A Sextante colocou esse ovo em pé, várias outras editoras seguiram e isso tem movimentado o mercado. Ontem, em pleno feriado e precisando comprar uma editora, vi a megastore da Saraiva do Plaza abrir e receber um grupo ávido, que saiu comprando um exemplar de cada modelo exposto. A livraria estava sem lápis de cor, e eles partiram para as Americanas. Deixaram um dinheiro bom ali, que vai agitar as vendas de várias editoras que estão apostando nesse nicho: Alaude, Gutemberg, Ediouro, Best Seller, V&R.

Esses livros tomaram de assalto a lista dos mais vendidos. Como não é uma classificação óbvia, colocaram na de Não-Ficção. Foram para o topo. Mas se tivessem ido para a de Autoajuda, teriam dominado igualmente. Em qualquer categoria, seriam os campeões. Inclusive se houvesse a categoria de Livros Mais Vendidos entre os Mais Vendidos.

E tem gente falando que não é livro, que é triste verem as pessoas comprando esse tipo de coisa. Coisa não. É livro. A agência do ISBN dá o código. A CBL faz a ficha catalográfica. É em formato de códice. Alguns tem até orelhas. O que faz dele não ser um livro? O fato de só ter ilustrações? E os livros infantis que só tem imagens? Também não são? É o fato de serem objetos interativos? Porque um livro desses, como os ‘Destrua esse diário’, só se completam, só ganham significado e significância plena com a ação do leitor-artista. São livros que surgem na interação, na intervenção.

Nisso, eles são iguais a qualquer outro livro – o que muda é o grau da interação. Nenhum livro é completo e pleno sem o leitor, que vira suas páginas, virtuais ou de papel. Nenhum personagem ganha existência sem a mente que o criou e sem a mente que o capta nas letras.

Vários fatores fazem surgir esses narizes torcidos, essas caras feias e julgamentos. Um é a sacralização do objeto livro. Na faculdade de História, eu perdi essa ideia besta do livro intocado, do livro puro, virgem e casto. O historiador não resiste e marca o livro, se relaciona com ele diretamente, assinala, põe páginas sangrando de vermelho e marca-texto, escreve nas margens. Livro bom, livro vivo é aquele em que praticamente se vê o leitor tanto quanto o autor.

Ninguém é obrigado a isso, claro. Eu sei que tem gente que desmaia só de ver o cantinho da página dobrado – fico imaginando essas pessoas vendo meus livros do Bourdieu e do Elias. Mas sabe o que somos obrigados? A respeitar o gosto alheio.

As pessoas estão curtindo esses livros. Estão se divertindo, se desestressando. Tiram fotos, trocam ideias de cores, procuram lápis diferentes. E há um outro fator que pode explicar o porquê desses livros causarem tanta má vontade. A grande maioria desses leitores são mulheres, jovens e senhoras. Sabemos que “livros de mulherzinha” são um “atentado ao bom gosto”, não é?

Mas elas estão pagando por eles, movimentando o mercado.

Então, quando comprar o seu “República dos Ladrões”, o terceiro livro da série do Scott Lynch, mande um abraço para dona Johanna Basford e suas leitoras-artistas-criadoras. Elas merecem.

Eu? Bom, eu sou a pessoa mais estressada que eu conheço. E até tô curtindo a ideia.

Só não me cobrem realismo.

Não, não sei de que cor é um pavão. Fiz História, não Biologia!
Não, não sei de que cor é um pavão. Fiz História, não Biologia!

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