[O que eu recomendo] Nine Princes in Amber, de Roger Zelazny

Existem livros que alteram a sua concepção de vida, mudando a forma de ver o mundo. E aqueles que fazem você visualizar literatura como arte de uma forma irrefutável. O problema é que, por causa de certo preconceito, o senso comum geralmente procura essas obras nos grandes clássicos ou nas obras premiadas da literatura contemporânea.

Não que isso não aconteça – A cor purpura, de Alice Walker, e Raízes, de Alex Haley, foram livros que me deixaram em choque por semanas. Porém, com meu amor pelo fantástico, muitos dos livros que tiveram esse impacto em mim são de literatura fantástica. Dos vinte livros mais importantes da minha vida, com certeza mais da metade são de Fantasia ou de Ficção Científica.

E um deles, com certeza, é o primeiro volume da série ‘Chronicles of Amber’ de Roger Zelazny, Nine Princes in Amber.

Pouco conhecido por aqui, Zelazny é um dos grandes nomes da fantasia mundial, ganhador de vários prêmios e autor de algumas das maiores obras do gênero, como Lord of Light e a série de ‘Amber’, que tem dois ciclos de cinco livros cada.

E foi o primeiro livro de toda a série que está naquela lista de vinte livros mais importantes da minha vida. Um dos fatores foi o estilo. Nine Princes in Amber não deve nada, na força da sua escrita e da sua narrativa, aos grandes clássicos da literatura do século XX. O autor nos conduz por uma trama intricada construindo imagens e cenas fortes e dramáticas, daquelas que se prendem na sua memória por anos.

(Possíveis spoilers a frente, apesar de estar em todas sinopses do livro)

A história é de Corwin, um dos nove príncipes do título, possível herdeiro de seu pai, Oberon, no trono de Amber -o único reino verdadeiro, do qual todos os demais são sombras. Porém, sua história está incompleta, pois ele começa o livro acordando em um hospital de Nova Iorque sem memórias – e irá recuperá-las de forma fragmentada e não linear. O narrador acompanha essa sua confusão mental, só nos revelando o que Corwin vai descobrindo.

Zelazny usava influências de mitologias diversas em várias de suas obras, e em ‘Amber’ é possível ver traços celtas, arturianos e, com muita força, das obras de Shakespeare, principalmente de Hamlet – a vontade de poder de Corwin tem ecos fortíssimos do príncipe da Dinamarca – e de Sonhos de uma noite de verão.

A trama política entre os nove príncipes, a sensação de que tem algo em suspenso que ainda não se revelou, a forma de viagem entre essas realidades irreais e a de Amber (que é ‘caminhar entre as sombras’, sendo que as ‘sombras’ seriam justamente esses mundos que não são tão verdadeiros), e as dimensões absurdas desse multiverso infinito até hoje são grandes influências para mim e para o que eu escrevo. Não é a toa que no Atlas Ageográfico de Lugares Imaginados a trama gira em torno de memórias perdidas que são recuperadas ao se caminhar. E sim, há toda essa questão de muitas realidades e universos, que vivem sob uma ameaça ainda não vista totalmente.

E nessa influência, estou muito bem acompanhada. Neil Gaiman tem uma admiração fortíssima pela obra de Zelazny, principalmente dessa série, assim como G. R. R. Martin.

“Ana, você acha que essa obra sai no Brasil?”

Ah, como eu queria, né? Que saísse e fosse um sucesso estrondoso para que eu colocasse na capa do Atlas: “Uma trama emocionante, comparável à Nove Príncipes em Amber de Roger Zelazny.” (modesta a beça, eu sei.)

Mas acho difícil. É uma série antiga e as editoras estão apostando pouco em grandes clássicos da fantasia – principalmente depois do fechamento da Saída de Emergência Brasil. Porém, finalmente os livros de Zelazny estão saindo em formato eletrônico na Amazon e os 3 primeiros da série já estão disponíveis. Vou comprar os três, para poder reler os dois primeiros e finalmente conseguir ler o terceiro – para ficar ansiosa esperando os demais.

 

 

[O que ando escrevendo] O Atlas Ageográfico de Lugares Imaginados, em sua versão semifinal.

Finalmente.

Sim, finalmente posso dizer que o Atlas adquiriu sua forma final, pelo menos para mim, no que se refere à disposição de capítulos, cenas e presença de personagens. Foi uma jornada interessante, fascinante, em que muita coisa mudou, em que coisas foram incorporadas e cortadas, personagens surgiram e cresceram.

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Durante esses meses, várias vezes as pessoas tem demonstrado curiosidade sobre o livro. Sem dar spoilers, tem algumas perguntas que eu posso responder.

1.É um livro de Fantasia? De Ficção Científica?

É um livro que se enquadra dentro do gênero fantástico, com certeza. Mas ele tem elementos de Fantasia Épica, de Fantasia Urbana, de Retrofuturismo, de FC…

Então, é difícil eu, autora, dar uma resposta final a vocês. Porém, acredito que o mais próximo seja dizer que é de Fantasia.

2. Sobre o que é o Atlas?

É um livro sobre memórias, lembranças e perdas. Sobre cidades que desaparecem, sobre vingança e lugares que não deviam existir.

Também conta a história de três seres completamente diferentes que atravessam o deserto com um cavalo sem nome, sem saber direito o que vão encontrar no final.

Em resumo, é um livro sobre uma jornada que muda a vida dos envolvidos. E talvez de todo o universo conhecido.

3. Vai ter sequência?

Mais ou menos. A história do Atlas se encerra nela. Porém, certas coisas que vemos, certos personagens que conhecemos, vão aparecer, pois é um livro que tem a ver com um ciclo de criação e entropia.

4. Quem são os personagens principais?

Clio, a moça que acorda sem memória. Íbis, o homem-morcego que não pode revelar as suas lembranças. E o Rei-máquina, que talvez se lembre de mais do que deixa transparecer.

5. Quais foram as maiores influências desse livro?

As duas principais foram ‘O mágico de Oz’ do L. Baum e a série ‘As crônicas de Amber’, principalmente os dois primeiros livros (‘Os noves príncipes em Amber’ e ‘Armas de Avalon’). O primeiro por causa da jornada e das estranhas conexões, inclusive sendo subvertido e negado por várias vezes.

Já os livros do Zelazny foram uma surpresa que só fui perceber depois, com o livro já bem formado – também falam sobre memórias partidas e perdidas, lugares que somem e a grande tentativa do auto conhecimento. E fazem isso em uma fronteira tênue entre Fantasia e FC, embora ao primeiro impacto pareçam ser Fantasia.

Além disso, há forte influência de Guy Gavriel Kay, principalmente de ‘Tigana’, que também é um livro sobre memórias e lembranças. A fantasia urbana e estranha, que foge do romance sobrenatural, de Jeff Vandermeer, Jay Lake, China Mieville e Ekaterina Sedia moldaram alguns dos capítulos do Atlas, principalmente os que envolvem Biblos e Xanadu. Borges, por mais que eu não seja grande leitora, também influenciou muito em várias coisas, em relação à imaginação e em elementos de worldbuilding.

A mitologia – grega, chinesa, celta, romana, cristã – e o fabulário europeu, medieval e moderno, deram base para alguns plot points e para a formação de personagens. Clio tem nome de musa e segue um pouco o mito de Prometeus. O Rei-máquina segue uma antiga lenda chinesa, mas seu título veio de um estudo antropológico sobre Luís XIV, que usava o epiteto para si – aliás, isso influencia um pouco a personalidade dele, que não diz ‘O Estado sou eu’, porém tá quase lá.

E Íbis… ele é um pouco de todo o herói trágico, mistura Dedalus e Batman. E talvez seja o personagem mais ‘eu’ do livro.

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Íbis na visão do Estevão Ribeiro.

6. Por que escrever o Atlas?

Um dia, eu virei pro meu então estagiário e disse, inspirada pela música do America: “Vou escrever um livro sobre viajar no deserto em um cavalo sem nome.”

Disso, saiu o livro. Acho que o ponto do cavalo não ter nome e da música dizer que no deserto você perde suas lembranças porque não há ninguém para lhe causar dor provocaram a base do Atlas ser memórias e lembranças

7. Atlas… Vai ter mapas?

Nenhum. Não tem mapas, não tem coordenadas, não uso em momento algum as palavras ‘direita’ e ‘esquerda’. Ele ser ageográfico o define. Ele é um atlas de palavras, de memórias perdidas para serem encontradas e de lugares imaginados e de destino ignorado.

8. E agora?

Agora, vamos procurar editora. Não, não quero lançar pela Aquário, que é voltada para outro tipo de projeto. Torço para o livro sair ainda esse ano, mas vai saber.

9. Vai ter biscoito, como teve pro Anacrônicas?

Prometo: assim que a editora fechar capa, encomendo os biscoitos pro lançamento.

10. Quem te ajudou?

O trabalho de escritor é solitário, mas tende a angariar o apoio de muita gente.

Mas principalmente, no caso do Atlas:

Meu marido, Estevão, ajudou a delinear o primeiro storyline/argumento do livro, o que me deu um esqueleto pra rechear.

Eric Novello e Nelson de Oliveira me chamaram para escrever os contos que deram origem ao livro.

Jaques Barcia e Lucas Rocha aguentaram algumas explosões de ideias. Max Mallmann nunca me deixou desistir do livro, mesmo quando eu achei que ele era estranho demais.

As meninas da Increasy compraram essa ideia e me ajudaram a colocá-la na forma que está hoje, um livro que não está perfeito, mas que eu consigo ler e dizer ‘ei, valeu a pena todo esse esforço’.

E todo mundo que nesse ano e meio postou fotos e gifs de morcego e se interessou. Sei que tenho uma base de leitores pequena, mas que está se mostrando querida e fiel. Espero que a jornada de Clio, Íbis e do Rei-máquina (com o cavalo sem nome) valha a espera e a confiança de vocês.

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[O que estou fazendo] ‘O Atlas ageográfico de lugares imaginados’ finalmente tem uma primeira versão

Sim, isso mesmo.

Finalmente consegui terminar um romance – no momento, estamos no começo da primeira revisão e com 85 mil palavras. É uma sensação estranha. Eu achei que terminar um romance iria me tornar uma pessoa diferente, mas só me deixou com fome e com sono, ou seja, do jeito que sempre estou.

Muitas pessoas tem me feito algumas perguntas sobre o Atlas e reparei que, apesar de falar muito sobre ele nas redes sociais, raramente eu o defino ou o explico.

Então, vamos ao FAQ:

1 – O que é o ‘O Atlas ageográfico de lugares imaginados’?

É um romance de literatura especulativa. E também um livro ficcional que aparece nesse romance.

2 –  É fantasia?

Mais ou menos. O Atlas trata de assuntos  como memória, lembrança e autoconhecimento, em um cenário especulativo que tem muito de fantasia (deuses, magia, seres estranhos) como de FC (viagens interdimensionais, multiversos, realidades paralelas).

3 – De onde veio a ideia?

De várias coisas.

De dois contos que escrevi de Fantasia Urbana. Da vontade de fazer algo que se ligasse de forma indireta ao Ladrão-de-Sonhos. De explorar uma estrutura de romance diferente.

E de um desafio que eu me autolancei ao dizer ao estagiário que um dia escreveria um romance sobre aquela música do America, ‘Horse with no name’.

4 – Vai sair quando e por qual editora?

Não sei x2.

O livro ainda não está pronto. Ele foi escrito, mas falta muito prele chegar ao ponto de ser publicado. Só quando chegar nesse ponto é que vamos procurar uma casa. Ele não deve sair pela Aquário, pois na editora não estamos querendo publicar romances, mas de resto tudo pode acontecer.

5 – Afinal, sobre o que é?

A sinopse atual é essa:

Um deserto que existe, apesar de ser impossível, entre tempos e dimensões.

Um homem-morcego que carrega sozinho a dor de ter perdido seu mundo, e que não pode compartilhar essas lembranças.

Uma jovem cuja única pista para seu passado é um livro em branco.

Um rei exilado pelos demônios que comprou para se tornar mais poderoso.

Um cavalo sem nome.

Uma criatura que aparece e reaparece, sempre com um desafio.

Um universo multiplanar ameaçado.

Três dias de jornada em busca de respostas e lembranças, enfrentando obstáculos invocados por três entidades misteriosas.

Mas também posso dizer que é sobre uma moça sem memória, um homem-morcego, uma estátua dourada que se mexe, um cavalo e um deserto no qual eles foram parar sem saber bem porquê. E sobre cidades obliteradas, memórias trancadas, lembranças perdidas, amores desencontrados, viagens transdimensionais… e um Viajante que sabe mais do que os outros.

Ou seja: anos de trabalho, 85 mil palavras e eu não sei bem como responder sobre o que é esse livro.

Mas pelo menos ele existe:

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Inclusive em uma única e exclusiva cópia física – a única que jamais haverá dessa versão – já entregue às mãos do meu-melhor-amigo-e-grande-apoiador:

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(Sim, foi com um morceguinho desses incluso)

“O enterro da última quimera” – ebook com conto inédito passado no universo do Atlas.

Muita gente tem estado curiosa sobre o “Atlas”, meu romance-em-processo-de-escrita, que já passou da metade e fala sobre um deserto e os loucos seres que precisam cruzá-lo (contém um cavalo sem nome).

Na aba de Projetos aqui do blog, vocês podem encontrar uma lista dos contos que se passam nesse universo. O mais recente é “O enterro da última quimera”, que fala sobre o que acontece depois da batalha final.

Íbis - que não aparece nesse conto - na visão do Estevão Ribeiro.
Íbis – que não aparece nesse conto – na visão do Estevão Ribeiro.

Coloquei na Amazon esse conto bem curto para aproveitar o concurso #Brasilemprosa, apesar de não levar fé numa possível vitória. Porém, o resultado tem sido bem interessante, inclusive para ver como realmente funcionam os rankings de mais vendidos da Amazon.

Oras, o que mais tinha na minha timeline era autor (e editora micro) comemorando “Meu conto é o primeiro lugar de Terror”, “Meu livro é o 3o mais vendido na categoria de Ficção sobre Baratas” e coisas do tipo. Autores (e editoras) com pouquissimo alcance, com poucos comentários e reviews no site… Será que mesmo assim eles vendiam?

Não.

O ranking é construído em cima de um algoritmo um pouco mais complexo, que leva em conta o tempo de publicação e a quanto tempo o exemplar foi vendido. Ou seja, um livro vendido na última hora pode elevar o seu livro para uma posição a frente de outro, com meses de publicação e o triplo de vendas. E quanto menor e menos conhecida a categoria, menos disputada e mais fácil subir. Ou seja, tinha gente falando que era o mais vendido no ranking, mas na verdade era só o exemplar que ele mesmo comprou.

(Isso, claro, me deu a ideia de DIVULGAR não a posição no ranking, mas quantos livros vendi. Em menos de um mês, vendi 34 livros e me mantive sempre entre os 10 primeiros, geralmente entre os 3 primeiros da categoria de Fantasia Urbana. Uau. Dinheiro. Mulheres. Iates. Mulheres. Automóvel. Mulheres. Banquetes. Mulheres.)

Para recompensar o povo que curtiu e tem elogiado, prometi que quanto chegar aos 50 ebooks vendidos, vou lançar um com as histórias do Ladrão-de-Sonhos que vai ficar gratuito nos primeiros dias e sempre que for possível – a Amazon limita os dias de gratuidade das obras.

E 2015, o que vai trazer?

É Ano Novo.

Outra volta ao redor do sol.

Eu espero que traga muitas novidades. O ano já vai começar com duas: o Anacrônicas 2, agora com o título ‘Anacrônicas – contos trágicos e mágicos’, e meu conto em ‘O outro lado da cidade’ (que é ligado ao universo do Atlas, que eu espero que seja concluído em 2015). Os dois saem pela Aquário, que é a empreitada do meu marido no mundo editorial – sim, eu ajudo, né.

Tem outras coisas vindo, outras sendo gestadas, e algumas só pensadas.

Eu espero que seja um ano maravilhoso. Pra mim, para vocês. Para o mundo.

(Pronto, agora vou voltar a jogar videogame)

anacronicas

outrocidade

A literatura fantástica brasileira hoje em dia… quanta diferença.

Só um pensamento que me veio hoje à cabeça, por causa do Dia da Consciência Negra.

Estou no meio do que internamente se chama ‘fandom’, mas que na verdade é o campo que engloba os produtores de literatura fantástica nacional desde 2004. Ou seja, dez anos nessa vida. E as coisas vem mudando.

Vejo a nossa produção de literatura fantástica brasileira hoje e sinto orgulho de ser parte do processo que a transformou do clubinho dos homens heteros brancos do sul sudeste (que eventualmente deixavam uma das meninas brincar com eles) no polo de diversidade que é hoje.

As pessoas agora se preocupam com diversidade e representatividade. Em fazer com que vozes diversas sejam ouvidas. Em questionar quando comportamentos não inclusivos se apresentam. Temos escritores negros, temos escritoras, pessoas de todo o país, pessoas de todos os gêneros, preferências sexuais, identidades sexuais, cores e sabores. Todo mundo produzindo e lutando. E de vez em quando, geramos discussões e debates sobre isso. Como os posts do Jim Anotsu e do Lucas Rocha no Nem Um Pouco Épico.

Tem um longo caminho pela frente. Sim, temos problemas ainda, e a ‘heteronormatividade branca machista’ ainda se apresenta. Mas tá muito melhor, e acho que tive uma pontinha de culpa nisso, junto com muita gente boa. Estamos no bom caminho, meu povo. Não podemos desistir.

Ursula K. Le Guin: Precisaremos de escritores que possam se lembrar da liberdade

A Ursula K. Le Guin foi homenageada pela sua contribuição à literatura americana no National Book Award de 2014 e o seu discurso ao aceitar o prêmio tem quer ser lido por qualquer um que queria ser escritor – ou que já seja um.

Traduzi a transcrição do discurso que está aqui – e contei com a ajuda do Petê Rissati para dar uns ajustes. Leiam e reflitam.

(Neil é o Gaiman, que a apresentou para a platéia)

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“Agradeço a você, Neil, e aos responsáveis por este lindo prêmio. De coração, obrigada. Minha família, meu agente e editores sabem que estar aqui é tanto mérito deles tanto quanto meu, e que este belo prêmio é tanto deles tanto quanto meu. E me alegro em recebê-lo e compartilhá-lo com todos os escritores que foram excluídos da literatura por tanto tempo, meus colegas autores de fantasia e ficção científica – escritores da imaginação, que nos últimos cinquenta anos este belo prêmio ir parar na mão dos chamados ‘realistas’.

Acredito que tempos difíceis estão por vir, quando desejaremos ouvir a voz de escritores que consigam ver alternativas ao que vivemos hoje e possam enxergar além desta nossa sociedade, tomada pelo medo e por sua tecnologia obsessiva, outras maneiras de existir, e que possam até imaginar possibilidades reais de esperança. Precisaremos de escritores que possam se lembrar da liberdade. Poetas, visionários – os realistas de uma realidade mais ampla.

Neste momento, acredito que precisamos de escritores que saibam a diferença entre a produção de um bem de consumo e a prática artística. Desenvolver material escrito para se adequar a estratégias de venda e maximizar o lucro corporativo e a renda publicitária não é bem a mesma coisa que ser um editor ou autor de livros responsável.

Porém, vejo os departamentos de venda ganharem controle sobre o editorial; vejo minhas editoras em um pânico tolo de ignorância e ganância, cobrando de bibliotecas públicas seis ou sete vezes mais do que cobram dos consumidores. Acabamos de ver um aproveitador ameaçar uma editora por desobediência e escritores ameaçados por uma fatwa corporativa, e vejo muitos de nós, produtores que escrevem os livros e fazem os livros, aceitando isso. Deixando esses exploradores nos vender como desodorantes e nos dizer o que publicar e o que escrever.

Livros, vocês sabem, não são apenas mercadorias. A motivação pelo lucro está frequentemente em conflito com os objetivos da arte. Vivemos no capitalismo. O seu poder parece ser inevitável. Assim era o poder divino dos reis. Os seres humanos podem resistir a qualquer poder humano e mudá-lo. A resistência e a mudança muitas vezes começam na arte, e muitas vezes mais na nossa arte – a arte das palavras.

Tive uma carreira longa, uma boa carreira. Em boa companhia. Agora, aqui, no final dela, realmente não quero assistir a literatura americana ser apunhalada pelas costas. Nós que vivemos da escrita e da vida editorial queremos – e devemos exigir – a nossa parte dos resultados. Mas o nome da nossa bela recompensa não é lucro. O seu nome é liberdade.

Obrigada.”

11 Escritoras fantásticas brasileiras que você precisa conhecer

Por causa de alguns comentários desagradáveis, retirei a caixa de comentários deste post. A lista, como expliquei antes, é pessoal, completamente subjetiva e parcial. Não tem a pretensão de ser uma lista indiscutível de melhores escritores, ou uma relação completa. São as que EU acho que as pessoas devem conhecer.

Então, ano passado, eu levantei um ponto quando do nerdcast sobre literatura fantástica: existem mulheres escrevendo literatura fantástica no Brasil. Sendo bem sucedidas, publicando em editoras médias e grandes, sendo adotadas em escolas – mas que o público nerd/ do fandom tente a ignorar por causa de nomes mais ”vistosos”.

Fiz uma lista no twitter na época, mas hoje a Gizelli Souza me pediu a lista de novo. Para ficar aqui de futura referência – já que conseguir achar coisas no twitter é impossível, uma breve listagem de autoras cujo trabalho eu conheço, gosto e recomendo.

Ou seja, essa lista é baseada em gosto pessoal, não tem a pretensão de ser uma lista completa e extensa. Se você sentiu falta de alguma escritora, que tal fazer a sua própria lista? 😉

Então, eis a minha seleção! 🙂

Alliah – escritora de new weird, ilustradora, ciberativista e fangirl. Mais sobre ela e seus trabalhos.

Ana Flávia Abreu – autora da série ‘Kôra’, a qual eu tive o prazer de editar o 2o volume (e estou aguardando o 3o ansiosa!)

Bárbara Morais – o primeiro livro da Bárbara, ‘A ilha dos dissidentes’, saiu pela Gutenberg e é uma distopia voltada para o público jovem. Recebeu o selo ‘Miguel aprova’ aqui em casa.

Carolina Munhoz – a rainha das fadas. Em se pensando em venda direta (em livrarias e etc), é a mais bem sucedida dessa lista. Está para estrear na Rocco.

Finísia Fidelli – uma das melhores contistas da Ficção Científica nacional. Devia publicar mais.

Flávia Cortes – essa moça querida escreve para jovens e crianças com delicadeza narrativa e poesia. Adorei o seu ‘Senhora das Névoas’.

Giulia Moon – a senhora dos vampiros. A série ‘Kaori’, lançada pela Giz, consolidou o lugar da Giulia na literatura nacional, que ela já merecia por seus contos vampirescos.

Lídia Zuin – raridade, a Lídia escreve cyberpunk (pós? retro? afff, é cyberpunk e ponto)

Martha Argel – a dama dos vampiros. As histórias de Clara e Lucila são imperdíveis para quem curte os sanguessugas.

Nikellen Witter – “Territórios Invisíveis” é um dos melhores livros para jovens que já li.

Roberta Spindler – essa moça promete. Li alguns contos dela e gostei muito!

(Sim, tem outras, como Kamille Girão, Helena Gomes, Cristina Lasaitis, Camila Fernandes, Natália Azevedo, Rosana Rios, Ana Lúcia Merege, Celly Borges, Carol Chiovatto, Suzy Hekamiah, Maria Cláudia Muller, Adriana Rodrigues e várias outras. Mas onze já fazem um time!)

Passando tempo em boa companhia (ou O que andei lendo )

O título deste post é um oferecimento de Blackmore’s Night, a banda que o Richie Blackmore criou pra pegar a Candice Night

Depois dessa breve palavra de nossos patrocinadores, vamos ao que interesse: falar de literatura, fantástica ainda por cima.

Eu não gosto de comprar livros no escuro, sem ter nenhuma indicação ou recomendação. Gosto de ler resenhas, comentários e opiniões antes de gastar meu precioso e pouco dinheirinho. Tem gente em que eu confio cegamente, quando diz ‘compra’, eu vou lá e compro.

Mr. Jacques Barcia me passou um link, uns três anos atrás, com a seguinte frase “Acabei de comprar na Cultura aqui de Recife. Acho que tu vai gostar, ainda tinha um por lá”. Abri o link para a loja online da Cultura e vi que era um livro da Tor chamado ‘Chronicles of the Black Company’ por salgados R$ 40,00. Sim, eu achei salgado porque pensei que era um pocket. Quando eu vi bem, era um mass paperback (uma encadernação mais parecida com a nossa ‘normal’, mas sem orelhas e papel mais fino) que juntava três romances em um livro só.

Ora, três livros por R$ 40,00 é uma boa pedida. A descrição dizia pouco:

“Darkness wars with darkness as the hard-bitten men of the Black Company take their pay and do what they must. They bury their doubts with their dead. Then comes the prophecy – The White Rose has been reborn, somewhere, to embody good once more.”

Ok, eu tô bem de profecias, obrigada… mas dizer que a escuridão guerreia com a escuridão e que os caras da Companhia Negra enterram suas dúvidas junto com seus mortos…. me fisgou. Sem me preocupar em pesquisar muito mais, comprei e esperei chegar.

Era final de março, o livro chegou na metade de abril. Até eu terminar o que eu estava lendo, chegou maio e… eu li os três livros em menos de  dez dias (fui conferir o histórico do Gtalk e tem umas 6 mensagens minhas pro Barcia dizendo “CARA, MUITO F*DA!” e outros no estilo). Eu simplesmente devorei o volume de 700 páginas, li no ônibus, na barca, na rua, em casa – aparecia um tempinho? Lá estava Ana lendo!

(Mas, Ana…. se você gostou tanto, deveria ter falado antes! Por que falar agora? Ahá! Sei de fonte secreta porém segura que BLACK COMPANY SAI NO BRASIL EM 2012! )

Sim, o livro do Glen Cook finalmente vai aportar no Brasil. Eu quero com esse post apresentar a saga para vocês e começar a convencê-los a comprar o livros.

Digam 'olá' pro Glen Cook, vou encher muito o saco de vocês esse ano com ele...

E porque você deve ficar muito feliz com a chegada desses livros ao Brasil?

Bem, é inegável que a grande moda do momento no nosso meio é George R. R. Martin e sua saga “A song of ice and fire”. Vejo centenas de pessoas na internet aplaudindo o realismo do autor, como ele retrata bem a sujeira do jogo político e por aí vai. Vejam bem, a saga de Glen Cook faz isso tudo, vai mais fundo ainda – e começou a ser publicada em 1984, ou seja mais de uma década antes de começar o jogo de tronos.

E o que é a tal Black Company?

(Aviso: não tive acesso aos termos traduzidos, então é uma tradução livre…)

A Companhia Negra é a última das Companhias Livres de Mercenários de Khlatovar, com séculos de história nas costas – história contada nos Anais, responsabilidade do analista/historiador que sempre acompanha a tropa.

No começo de ‘The Black Company’, somos apresentados ao então analista, o médico Croaker – dá pra ver que o índice de sobrevivência é baixo, né?

Povo, este é o Croaker, narrador e protagonista.

A Companhia foi contratada por um feiticeiro , chamado SoulCatcher, para combater pelo Império e defendê-lo de seus inimigos: um grupo de rebeldes chamado de Círculo dos Dezoito. O Império é controlado pela Feiticeira mais poderosa de todos, a Dama (‘Lady’), que foi ressuscitada por um mago pouco habilidoso e aos poucos vem dominando todo o Norte.  Seus exércitos são liderados pelos Dez que Foram Tomados (‘The Ten Who Were Taken’ ou ‘Taken’), que só perdem em poder para ela.

Os rebeldes acreditam na profecia e que a Rosa Branca irá ressurgir para novamente derrotar a Dama e os seus servos. A feiticeira, porém, tem uma preocupação ainda maior: seu marido, o Dominador (‘Dominator’), a grande força do Mal. Ele ainda está preso – e sente que ela alcançou a liberdade sem o ajudar. Ele é único cujo poder supera o dela e por isso a Dama teme por sua vida.

É a partir daí que a história se desenrola. Mas nunca pelo ponto de vista da Dama, dos Tomados, da Rosa Branca… E sempre pelo da Companhia, dos mercenários, pela figura do Croaker. Ao contrário do jogo de tronos do George Martin, a série do Cook mostra o lado de quem vai morrer por nada. E isso é muito bom.

Mercenários são aqueles que não tem mais nada a perder e tudo a ganhar. São órfãos, viúvos, enjeitados, bastardos… Sua família é aqueles que servem junto pelo único objetivo da sobrevivência. Ao ler os romances de Glen Cook, é impossível não empatizar com cada um daqueles homens, mesmo sabendo – desde o começo – que eles não estão do lado dos mocinhos.

Goblin e Um-Olho ('One Eye'), dois dos feiticeiros da Companhia.

Os conflitos morais surgem de vez em quando, a dor da perda de amigos e pessoas próximas, a traição vem de lugares inesperados. As cenas de luta e de batalhas são cruelmente realistas, escritas por alguém que realmente esteve na guerra e é muito elogiado por seu conhecimento,  não só de estratégia militar, mas do companheirismo que nasce entre quem está numa guerra.

Croaker é um personagem fascinante. É um memorialista em crise, um médico desesperançado – e um romântico incorrigível no lugar mais improvável. É impossível não sentir aquela vergonha alheia por ele de vez em quando, mas é igualmente difícil não torcer por ele em vários momentos. A Dama talvez seja uma das personagens femininas mais marcantes que eu já conheci criada por um homem. Sua história é densa e triste, por incrível que pareça. Os demais também cativam, principalmente os quatro magos que estão na Companhia, implicando o tempo todo uns com os outros mas unidos quando chega a hora de agir.

O leitor acaba se envolvendo de tal forma com a Companhia que passa a torcer por ela, sem se importar muito de que lado está.

A escrita de Cook é quase seca às vezes, de tão direta. O mundo fantástico que ele criou para a sua série só começa a se desenhar realmente bem no segundo livro, mas como o ritmo se mantém sempre constante, você acaba nem percebendo, interessado que está na trama e no seu desenvolvimento.

Agora, é um livro que tem tudo para agradar quem gosta da obra do Martin, mas não só. Primeiro, que o Cook não esconde a magia, ela está ali presente desde sempre. Depois, vem o detalhe dos personagens não serem nobres com ‘problemas de primeiro mundo’ (exceção honrosa ao Davos e a Brienne), mas a ralé do mundo, gente que luta (literalmente) a cada dia só para sobreviver. Talvez a predominância de personagens masculinos possa incomodar um ou outro, mas a Dama compensa muito nesse quesito.

Enfim, preciso dizer que estou em modo fangirl pelo lançamento desse livro no Brasil E MAL POSSO ESPERAAAAAAAAAAAAAAAAAAR!:D

(Ilustrações vinda deste deviant-art)

UPDATE!

Como vocês foram MUITO legais e o blog teve 100 visitas desde a postagem sobre o livro, decidi que  vou compartilhar a minha coleção com meus leitores e repassar um dos meus livros do Glen Cook. Pela enquete via twitter, o escolhido foi The tower of fear – não faz parte da série da Black Company, mas é uma boa introdução ao estilo do autor.

Para participar do sorteio, tem que me seguir no Twitter e retuitar a seguinte frase:

Quero conhecer o autor Glen Cook com ‘Tower of fear’ que a @anadefinisterra está sorteando http://kingo.to/13cD

Deixe um comentário aqui preu saber quem tá realmente interessado em participar: fale porque você se interessou em ler o livro. Não esqueça de dizer quem é você lá no twitter. Viu? Super simples!

O sorteio será no dia 8 de abril

(Quem levou foi o @pablorebello, que comentou via twitter que não conseguiu comentar no post, mas respondeu direitinho)